Cardiomiopatia de Takotsubo (CMP T), descrita pela primeira vez em 1991 na população japonesa, é uma condição reversível que émente precipitada por um evento estressante. Foi assim designada porque, na forma clássica da doença, durante a sístole, por alterações na contratilidade, o VE adquire uma forma semelhante a um takotsubo.
Essa forma assumida de coração na fase aguda da doença é observada ao ecocardiograma ou à ventriculografia contrastada. É conhecida também como síndrome do balonamento apical transitório do VE. Origina-se de hipocinesia da região média e acinesia ou discinesia apical associadas à hipercinesia da região basal do VE, com formação consequente de gradiente sistólico intraventricular, resultado em diminuição da fração de ejeção vent desserículo.
Outra terminologia recebida por essa entidade clínica foi cardiomiopatia do estresse ou “síndrome do coração partido”, pois, na maioria das vezes, é precedida por episódio importante de estresse emocional, como morte ou doenças graves de familiares e amigos próximos, financeiras, problemas legais, diagnóstico médico trágico, desastres naturais, discussões acirradas, situações de extrema angústia ou estresse, físico físico exemplificado por cirurgias ou procedimentos invasivos, sistêmica grave exacerbada, acidente vascular encefálico, crises convulsivas ou qualquer tipo de dor intensa.
Figura 1: Takotsubo (armadilha para pescar polvos)
Características eletrocardiográficas e biomarcadores cardíacos
Os achados eletrocardiográficos na admissão mimetizam um IAM, havendo autores que relatam uma elevação do segmento ST em cerca de 56% dos casos estudados, inversão da onda T em 17%, ondas Q ou progressão anormal das ondas R em 10% e alterações inespecíficas ou traçado normais nos restantes 17%. Como alterações evolutivas mais frequentes são o aparecimento de uma nova (ou mais profunda) onda T invertida, mais proeminente nas derivações V2 a V6 (que surge nos primeiros dois a três dias e que persistem durante duas a três semanas) e de um prolongamento do intervalo QT. Estas alterações eletrocardiográficas desaparecem por completo em cerca de três meses.
A ausência de alterações recíprocas tem sido altamente para específica Cardiomiopatia de Takotsubo (Figura 2). Há ainda autores que defendem que, comparativamente a pacientes com DAC, aqueles com Cardiomiopatia de Takotsubo apresentam uma menor amplitude da elevação do segmento ST, inversões mais profundas da onda T e/ou intervalos QT mais prolongados. Contudo, estes achados são sutis para permitirem um diagnóstico diferencial entre Cardiomiopatia de Takotsubo (CMP T) e SCA.
Figura 2: Uma das apresentações do ECG na CMP T
Os Marcadores de necrose miocárdica (troponina I, T) encontram-se ligeiramente aumentados na maioria dos doentes, embora a ausência da sua elevação em alguns casos não exclua o diagnóstico. Estes achados são sugestivos de lesão miocárdica, o que, neste contexto, impõe a realização de cineangiocoronariografia. Os níveis de troponina têm um pico nas primeiras 24 horas, ao qual se segue uma queda gradual. Os níveis de peptídeo natriurético do tipo B (que refletem a disfunção sistólica do VE) também se encontram elevados na Cardiomiopatia de Takotsubo, com valores superiores aos encontrados no IAM com supra de ST associado ao pico relativamente modesto na troponina T em relação à grande área de disfunção ventricular esquerda, pode ajudar na distinção com o infarte agudo do miocárdio.
Aspetos imagiológicos
A angiografia coronária, tipicamente, demonstra artérias coronárias normais ou DAC não obstrutiva (com estenose luminal inferior a 50%). A sua realização é importante para excluir a presença de um trombo ou de rotura aguda de uma placa, ajudando assim no diagnóstico diferencial com IAM. Por vezes, a Cardiomiopatia de Takotsubo pode coexistir com DAC obstrutiva numa pequena percentagem de doentes, refletindo a elevada prevalência da doença coronária nas populações mais idosas.
A ecocardiografia e/ou ventriculografia ajudam a identificar a situação e a comprovar a disfunção sistólica do ventrículo esquerdo, ao revelarem, na forma clássica da Cardiomiopatia de Takotsubo (CMP T), acinesia ou hipocinesia apical e/ou mesoventricular esquerda extensa, com a base do VE preservada ou hipercinética, conferindo-lhe, assim, o seu aspeto característico (estreito na base e com abaulamento apical) que lhe deu o nome (Figura 3).
Figura 3: Abaulamento apical com coronárias sem lesões obstrutivas
Critérios diagnósticos
Quatro critérios de diagnóstico devem estar obrigatoriamente presentes na admissão, para que se possa fazer o diagnóstico de Cardiomiopatia de Takotsubo (CMP T), e que são os mais utilizados atualmente como referência nos vários estudos publicados. São eles:
- Hipocinesia, acinesia ou discinesia transitória dos segmentos mesoventriculares esquerdos com ou sem envolvimento apical; as anormalidades do movimento da parede regional estendem-se para além de uma única distribuição epicárdica vascular; um estresse desencadeante está frequentemente, mas nem sempre, presente;
- Ausência de DAC obstrutiva ou de evidência angiográfica de rotura aguda de placa aterosclerótica;
- Alterações eletrocardiográficas (elevação do segmento ST e/ou inversão da onda T) ou modesta elevação da troponina cardíaca;
- Ausência de feocromocitoma e miocardite.
Tratamento
Não existe tratamento específico já que a fisiopatologia da Cardiomiopatia de Takotsubo (CMP T) ainda não está esclarecida e a doença segue um curso limitado, em que a função cardíaca é normalizada dentro de poucas semanas. A principal abordagem consiste no suporte hemodinâmico, muitas vezes necessários na fase aguda da doença, especialmente nos casos que evoluem com insuficiência cardíaca, congestão pulmonar e/ou baixo débito cardíaco e até choque cardiogênico. É apropriado o uso de oxigênio, de diuréticos e nitratos, de forma criteriosa, quando houver edema pulmonar. Nos casos de choque cardiogênico, o uso de drogas vasoativas deve ser evitado devido à cardiotoxicidade catecolaminérgica envolvendo a patogênese da doença. Nesses casos, pode ser necessário o uso de balão intra-aórtico para estabilização hemodinâmica.
O uso de drogas fibrinolíticas, como ocorre no IAM, não está indicado, pois a fisiopatologia da cardiomiopatia de Takotsubo (CMP T) não envolve mecanismos tromboembólicos. Assim, o paciente não estará sob riscos da terapia fibrinolítica.
O uso profilático de antiarrítmicos na Cardiomiopatia de Takotsubo, apesar de sua associação frequente com arritmias devido ao prolongamento do intervalo QT, não é mandatório, inexistindo estudo que mostre o seu benefício. A vigilância desses pacientes, entretanto, deve ser rigorosa, requerendo monitorização sob o risco de desenvolvimento de arritmias cardíacas, falência cardíaca e complicações mecânicas, como ruptura do miocárdio. Alguns estudos demonstraram eficiência no uso intravenoso de sulfato de magnésio na supressão da ocorrência frequente de taquicardia ventricular não sustentada.
Depois de estabelecido o diagnóstico da Cardiomiopatia de Takotsubo, o tratamento é basicamente de suporte. Já que esta é uma síndrome induzida por catecolaminas, os β-bloqueadores são os pilares do tratamento junto com os inibidores da enzima de conversão da angiotensina (IECAs), até à recuperação da função cardíaca, evitando-se os β-agonistas e vasopressores, mesmo em situações de falência circulatória aguda, casos em que se dá preferência ao suporte circulatório mecânico.
Os diuréticos são recomendados em casos de insuficiência cardíaca (IC), e a anticoagulação a curto prazo é indicada em pacientes com fibrilhação atrial ou formação de trombos.
Prognóstico
A grande maioria dos pacientes com Cardiomiopatia de Takotsubo (CMP T) tem um excelente prognóstico, com história natural aparentemente benigna e recuperação integral da função ventricular que ocorre de uma forma relativamente rápida. Desse modo, há um desaparecimento por completo dos sintomas, alterações eletrocardiográficas, biomarcadores cardíacos e anormalidades dos movimentos ventriculares dentro de seis a oito semanas, embora, por vezes, o traçado eletrocardiográfico possa levar anos a normalizar. A mortalidade intra-hospitalar é baixa, sendo inferior a 2%.
A insuficiência cardíaca sistólica é a complicação mais comum da Cardiomiopatia de Takotsubo, ocorrendo em cerca de 45% dos casos, e merece, por isso, detecção e tratamento precoces. Assim, pesquisadores desenvolveram uma escala de risco para o desenvolvimento de IC, atribuindo um ponto para cada um dos fatores que são significativos no momento da admissão (idade > 70 anos, presença de stress precipitante e FE < 40%). Quanto maior a pontuação, maior o risco de desenvolvimento de IC aguda: um ponto está associado a 28% de risco; dois pontos a 58%; e três pontos a 85%. Constatou-se, ainda, que doentes com níveis de Proteína C Reativa mais elevados e FE mais baixa têm maior risco de choque cardiogênico e morte.
Conclusão
A “síndrome do coração partido”, como essa doença é conhecida popularmente, representa entre 1 e 2% dos casos inicialmente diagnosticados como síndrome coronariana aguda, visto suas semelhanças clínicas, ao ECG, e laboratoriais. O diagnóstico só é possível após a realização de cineangiocoronariografia e ventriculografia, que evidenciam ausência de lesões ateroscleróticas importantes nas artérias coronárias e alteração morfológica típica da síndrome do balonamento apical transitório do VE. Excluindo-se coronariopatias obstrutivas, evita-se que esses pacientes sejam tratados com agentes fibrinolíticos e possam apresentar complicações hemorrágicas decorrentes do uso inadvertido desses medicamentos, tal como em até 13% dos pacientes submetidos à reperfusão química, sendo a complicação mais grave o acidente vascular encefálico hemorrágico. Outro aspecto a ser considerado é o alto custo dessa terapia em paciente que não se beneficiará de seu uso.
Essa entidade é uma cardiomiopatia, caracterizada pela hipercinesia basal e acinesia ou discinesia apical do VE, à diferença da síndrome coronariana aguda, marcada pela coronariopatia, o que altera a sua abordagem terapêutica. Trata-se de distúrbio transitório, necessitando de suporte hemodinâmico, conforme as manifestações clínicas apresentadas. Preconiza-se o uso cauteloso de medicamentos que visam a melhorar a função cardíaca e respiratória, como diuréticos e vasodilatadores, além da oxigenioterapia. Sua abordagem terapêutica difere substancialmente do IAM, em que são necessários o uso de fibrinolíticos, antiagregantes plaquetários, nitratos, betabloqueadores, estatinas e morfina, se necessário, para alívio da dor.
Todos os pacientes após a fase aguda, praticamente, apresentam boa evolução clínica, com normalização da função cardíaca em poucas semanas e mínima possibilidade de recorrência, evolução completamente diferente do IAM. Neste último, a taxa de mortalidade intra-hospitalar é de cerca de 10%, quando tratado de maneira correta, além do fato de que muitos desses doentes evoluem com insuficiência cardíaca, mesmo após a fase aguda, e se não adotarem medidas comportamentais e medicamentosas específicas, possuem risco considerável de reinfarto, condição que provoca consequências drásticas.
As características que podem alertar para a possibilidade da Cardiomiopatia de Takotsubo são o sexo e a idade do paciente, história recente de estresse emocional ou físico importante e a escassez de fatores de risco tradicionais de doença arterial coronariana, como hipertensão arterial sistêmica, diabetes mellitus, dislipidemia, obesidade, tabagismo, sedentarismo e história familiar de doença cardiovascular. O estudo hemodinâmico, entretanto, é que permite estabelecer o seu diagnóstico. O principal problema é que esse exame não é facilmente acessível em nosso país.
A questão que se impõe é se a Cardiomiopatia de Takotsubo é doença antiga e desconhecida pelos médicos e que agora tem sido diagnosticada com ajuda do avanço tecnológico ou se sua incidência está aumentando devido ao estilo de vida atual excessivamente estressante.
Permanecem sem conhecimento muitas questões acerca do mecanismo da cardiomiopatia de Takotsubo e de seu manejo terapêutico, o que evidencia a necessidade de mais estudos científicos para seu completo entendimento.
Referências:
http://www.revportcardiol.org/pt-estadisticas-S0870255112001515